Classe Hospitalar possibilita aos estudantes da Rede Municipal do Recife o direito à educação mesmo distantes dos corredores de uma escola tradicional

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Equipamento funciona dentro do Hospital Oswaldo Cruz e atende, atualmente, cerca de 30 crianças; nova classe será inaugurada no Hospital Barão de Lucena. Foto: Paulo Melo/PCR

Abrir uma porta e não estar mais no mesmo lugar. É assim que se sentem as crianças atendidas pela classe hospitalar Semear, pertencente à Escola Municipal em Tempo Integral Hospitalar Semear, da Prefeitura do Recife. Ainda que fisicamente presentes no mesmo local, o poder da educação os leva para um lugar distante, onde nenhum tipo de adversidade é capaz de impedir aquilo que é deles por direito: o aprender. 

Celebrando oito anos de existência neste mês de março, o equipamento recebe atualmente cerca de 30 estudantes dentro das instalações do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, localizado na área central do Recife. São cinco professores da Rede Municipal de Ensino da cidade - dois de Educação Infantil e Anos Iniciais e três de Anos Finais - oferecendo às crianças e jovens que estão realizando algum tipo de tratamento contínuo todo o suporte necessário para que eles não sintam tanto a ausência da sala de aula convencional, transportando-os para a escola, mesmo dentro do ambiente hospitalar. 

“Quando eles abrem a porta da nossa sala, é como se um portal possibilitasse que eles esquecessem que isso aqui é um hospital. Esse trabalho é extremamente significativo para garantir a continuidade da escolarização e de tentar trazer esse cotidiano que eles tinham, que fica adormecido ao longo desse processo. É a possibilidade de que eles sintam um pouco do que viviam antes”, explicou Priscila Angelina, gestora da EMTI Semear. 

Parte dos estudantes atendidos são da rede do Recife, mas a classe hospitalar também oferece o trabalho para pacientes de outras cidades e estados, garantindo a todos o direito à educação. Vinda da Paraíba com a filha para um tratamento de quimioterapia no Recife, Auricélia Eduardo confirmou a importância do suporte. “É muito gratificante porque, como ela não pode ter aula, eu imaginava que ela fosse perder o ano. Aí a gente chega aqui e é recebido por tantos professores. Não tenho nem palavras para agradecer. Ela gosta muito e está muito feliz. Se não fossem as aulas, ela estaria muito triste”, confirmou a mãe de Alice Mendonça, de 13 anos, atualmente no 9º ano do Ensino Fundamental. “Gosto de aprender e de sempre saber de mais coisas. Gosto muito dessas aulas. Nem tenho disciplina preferida, eu gosto de todas. Amo pintar, responder os exercícios e fazer minhas tarefas”, complementou a filha. 

Do outro lado do quarto, enquanto ouvia as palavras da adolescente, Lara Jade explanou: “Na minha escola eu tinha apenas um doutor, hoje eu tenho vários que cuidam de mim”, brincou a menina de 8 anos, fazendo referência ao nome da unidade onde estudava antes de estar internada. Lara é aluna do 3º ano do Ensino Fundamental da Escola Municipal Doutor Severino Alves de Sá, localizada em Salgueiro, no sertão pernambucano. Após aprender os conteúdos escolares do dia, a menina emendou: “Acho muito legal quando os professores vêm aqui dar aulas. Gosto muito de português e as tarefas que eu mais gosto são as de escrever textos”, destacou. 

Para os professores, que preparam aulas todos os dias e estão ali prontos para ensinar, pode até parecer meio contraditório, mas os que mais aprendem diariamente são eles. “Trabalhar em uma classe hospitalar era a minha meta de vida e hoje estou realizada. Vale a pena cada minuto, cada dia, hora e experiência. Nossos alunos nos ensinam todos os dias. Me sinto abençoada por poder trabalhar assim”, confessou Silene Cabral, professora da Educação Infantil e dos Anos Iniciais, que atua na unidade desde 2018. 

Os docentes explicam que, diferente de uma sala de aula tradicional, eles desenvolvem outros métodos para repassar o conteúdo do ano letivo, já que precisam lidar diariamente com surpresas e adversidades na hora de ministrar as aulas. “O planejamento é individualizado. Damos aulas todos os dias, se eles estiverem com condições, então temos o cuidado de perguntar se eles estão bem para assistir aula naquele dia. Tentamos fazer a educação na particularidade da situação de cada indivíduo”, detalhou a coordenadora pedagógica, Monalisa Cavalcante. 

Durante as pausas nas sessões do tratamento, quando os estudantes retornam para casa, o contato não acaba. “Mesmo fora do hospital, a comunicação com eles é mantida. Continuamos enviando todos os dias atividades para que eles continuem desenvolvendo o processo de aprendizagem”, emendou Taciana Martins, professora de Ciências e Matemática dos Anos Finais. 

Se o filósofo grego Epicteto defendia que “só a educação liberta”, a existência da classe hospitalar confirma o pensamento. A liberdade da realidade dura e dos corredores extensos de um hospital é alcançada por meio da imaginação, dos livros e da necessidade de seguir aprendendo, independente das condições.

NOVA CLASSE

Na próxima terça-feira (4), a Prefeitura do Recife, por meio da Secretaria de Educação, inaugura mais uma unidade da classe hospitalar. Desta vez, o equipamento funcionará dentro do Hospital Barão de Lucena, localizado na Iputinga, na Zona Oeste da cidade. A ideia é que, futuramente, outros hospitais possam receber esse suporte. 

 

Fotos: Paulo Melo/PCR